Review The Great Impersonator - Halsey

01/11/2024

Dia primeiro de setembro de dois mil e vinte e um, o dia que eu fiz a primeira (e até então última) review de algum projeto ou lançamento da Halsey, e caramba galera mais de 3 anos depois muita coisa acontece nas nossas vidas, né? Na dela então... parece quase uma Demi Lovato.

O quinto disco de estúdio da nossa ex-membro honorária de Wakanda é bem... denso, mas pra isso é necessário dar o contexto do que aconteceu na vida dela. Entre o período que saiu o If I Can't Have Love, I Want Power lá no terceiro trimestre de 2021 pra cá, muita coisa aconteceu na vida da Halsey e parte delas foram ao mesmo tempo:


- O marido dela a largou;
- A gravadora dela a convidou a sair; 
- Descobriu que tinha Lúpus, Leucemia e um distúrbio linfoproliferativo raro de células T (esse em específico ela descobriu tudo sobre seu quadro de saúde ao mesmo tempo);


Isso tudo acontecer em um período relativamente curto de tempo (já que começou a tudo dar errado pra ela depois do IICHL, IWP) obviamente vai afetar qualquer pessoa... a não ser que você tenha ascendido completamente pro Nirvana e você vai tá tomando no cu e vai tá rindo já que né, nada mais te prende nesse plano; mas no caso da Halsey tem coisas que a prendem, no caso uma e é logo seu filho. O medo constante dela morrer e deixar seu filho órfão estava de fato a consumindo e pra evitar um pouco da ansiedade que a consumia a respeito, ela preferiu fazer música sobre, e acreditando que ela iria sim morrer, Halsey se dedica bastante pra fazer um projeto fechadinho e coeso como 'último trabalho'.
Com um pouco mais de uma hora de duração e tendo inspirações em Björk, Fiona Apple, John Lenon e entre outros, The Great Impersonator conta com dezoito faixas (todas solo) e alguns pontos altos e baixos que vamos acompanhar ao longo da review, mas contexto sendo dado, vamos começar:

(Atualização: eu descobri que ela lançou uma música nova pro disco ontem, dia 31, e ela é bem alheia ao resto mas vou dexar linkado essa versão do disco com 19 faixas pois por que não?)

 • Ego: Começado pela segunda faixa, aqui Halsey fala sobre a complexidade das emoções e um sentimento de exaustão e desgaste, tudo isso ligado também a seu Ego e como ela anda lidando sobre. Por mais que a letra seja talvez mais comercial por questões de: rádios, a música conversa e contextualiza mesmo que em partes sobre os anseios da Halsey e os conflitos internos entre sua vida pessoal e profissional, e de certa forma Ego conversa com a primeira faixa do disco e consequentemente a faixa anterior a essa (Only Living Girl In LA), que fala sobre não se sentir pertencente ou reconhecer como lar um lugar agitado tipo Los Angeles e isso de certa forma tem a ver com nosso Ego. Claro as duas músicas se você olhar de certo modo parecem superficiais, mas pra mim é mais uma questão de criar terreno pras próximas faixas do disco.

• Dog Years: A terceira música do disco ela meio que pode ser considerada a segunda intro do disco, pois ela mostra bem de maneira densa e carregada sobre os anseios e reflexões sobre a mortalidade em meio a dor da solidão. O nome da faixa ser Dog Years é porque uma das principais metáforas e comparações dessa música é sobre a vida humana e a vida de um cachorro e como a Halsey se compara a um 'bom cachorro' em diversos momentos, mas que também morde. E no meio disso tudo tem dois momentos da música que quero destacar:
- Um é sobre ter um tipo sanguíneo que funciona como doador universal, mas por sua vez ele só poder receber doação de um tipo sanguíneo específico. Essa parte fala sobre a dificuldade de criar conexões verdadeiras e sinceras;
- Já a outra parte é uma única linha que ela diz "Bem, dizem que os cachorros vão para o céu/E quanto a uma Vadia?/E quanto a uma garota má deixada jogada em um buraco?", e isso martelou na minha cabeça por conta de uma fala em específico da Ana Paula Arósio em seu papel em Hilda Furacão (1998), em que a personagem dela em um dos diversos embates com o Santo, só manda a seguinte pedrada: "É muito fácil amar a humanidade. Eu quero ver é você amar as pessoas de verdade, as pessoas que têm cheiro, que têm cor, que andam, que fazem tudo errado. desses você nao consegue chegar perto, quanto mais amar";
Pra mim a música é sobre isso, é sobre não só a dificuldade de criar conexões reais e honestas principalmente em momentos desesperadores, mas também como até nesses momentos mais delicados em nossas vidas em que tudo parece que vai desmoronar mais do que já desmoronou e a morte está na nossa porta, tudo continua sendo sobre dois pesos e duas medidas.

• Letter To God (1974): Sendo a primeira de três músicas sob o mesmo título (mudando só a década), a quarta faixa do álbum é um dos momentos mais crus da Halsey durante o disco, falando da sua infância e também que aqui ela clama a Deus o desejo de ser amada enquanto diz sobre o sentimento de inadequação e insegurança: se suas palavras serão bem recebidas, se suas músicas serão bem recebidas, se suas ações serão bem recebidas.

 • The End: Pulando pra sexta música, The End também fala sobre reflexões a respeito da vida e da morte, mas aqui seguindo Letter To God, a música diz mais sobre o quadro de saúde da Halsey e como ela se sente desde nova como uma pessoa 'danificada' devido a seus quadros de saúde. A música começa com ela descrente enquanto ia ao médico e ele lhe conta sobre sua situação, e conforme a música vai progredindo ela vai criando uma nova perspectiva e começando a ter mais 'esperança' por conta do seu amado.

• I Believe In Magic: Sétima faixa do projeto e aqui é uma reflexão mas sobre laços amorosos e familiares, sobre a complexidade do amor e crescimento pessoal. Acompanhada praticamente só por um violão, Halsey nos fala sobre relações entre pais e filhos, como a percepção de tempo é diferente não só pra cada um como pra cada geração também.
No refrão quando ela diz "Quero que você saiba que eu acredito em mágica, também acredito no pecado/E eu ainda acredito no paraíso se me deixarem entrar" representa a dualidade da vida, da esperança e do medo e como tudo isso afeta relações familiares. No geral é um convite pra você aproveitar os momentos com quem realmente importa.

• Letter To God (1983): Na oitava música do disco, essa música segue o padrão de outras faixas do disco em questão de ser uma música mais crua, mas ela parece meio densa no sentido de carregada. No início ela conta sobre quando se mudou pro Brooklin com seu namorado que tinha marcas de agulhas pelo braço mas rosto angelical (já deixando claro que nem tudo é o que parece), ao longo da música ela vai pontuando sobre como ela viu amigos dela morrerem antes dos 21 e ela tá tendo problemas de saúde aos 28. Quando chega no refrão ela clama a Deus novamente, mas dessa vez ela clama pra não ficar doente e morrer, e que se for pra morrer que seja rápido.

 • Darwinism: Seguindo um dos principais temas em torno do álbum, a décima primeira música fala sobre identidade, solidão e o sentimento de não pertencimento. A canção começa logo com uma analogia de muitos peixes no vasto oceano, dizendo sobre a existente abundância de opções e possibilidades no mundo, enquanto a Halsey se sente deslocada do mar, como se não fosse certo ela estar ali e sim na terra, e essa sensação de ser uma forasteira dentre os demais perpetua até o final do disco. Outra coisa que perpetua bastante na música é a linha "Vocês sabem algo que eu não sei" que indica não só uma sensação de alienação mas também um desejo de compreensão. Quando chegamos ao final, a cantora se encontra em paz com sua singularidade e destino, fazendo uma alusão a ser uma poeira cósmica.

• Lonely Is The Muse: Chegamos na faixa número doze e aqui essa é e não é a música mais alheia a proposta do álbum e o motivo é bem simples e direto: pra felicidade da Pitchfork essa é a ÚNICA música que fala sobre como é ser artista - e a relação do fã com seu ídolo - ao ver da nossa nega lora. Na música a Halsey se compara a Jesus e com isso ela quer dizer que, assim como ele, ela também se sacrifica, mas de uma maneira que a torna maleável e adaptável, mas isso é uma via de mão dupla pois da mesma forma que ela mostra ser bem flexível para se adaptar a um padrão ou norma, o sentimento de ser facilmente descartável e substituível a persegue constantemente. Facilmente top3 melhores do disco e melhores da carreira.

• Arsonist: Aqui na décima terceira música do disco, a Halsey fala sobre a natureza de relacionamentos destrutivos e a busca por sua própria identidade em meio a esse caos. A figura do 'Arsonist' (ou incendiário) é pelo fato de que, na tentativa de sentir algo a pessoa faz de tudo para tal, inclusive queimar tudo ao seu redor, isso enquanto ela levanta questões sobre dependência e busca por validação.

• Lucky: Faixa de número dezesseis e primeiro single da era, Halsey nos mostra a dualidade da fama enquanto faz interpolação da faixa Lucky da Britney Spears enquanto nos diz sobre sua vida e como ela se sentiu obrigada a fingir publicamente que tudo estava bem enquanto na verdade não estava, pois... bem, se você se faz de alheio a tudo te chamam de superficial, se você assume que tá tudo uma merda e verbaliza que tá tudo uma merda te chamam de dramático isso quando você fisicamente não está bem e começam a especular, e isso nunca se tem um meio termo. Ainda sobre Lucky mas agora uma curiosidade: quando a Halsey lançou essa música de primeiro single em julho, no mesmo dia via post no Instagram ela postou um compilado de fotos e vídeos com a legenda que ela estava doente e que tinha sorte de estar viva (meio que referenciando Lucky), a partir daí que se começou a ter uma noção do que aconteceu com ela nos últimos anos.

• Letter To God (1998): Encerrando a triologia Letter To God, aqui na décima sétima (e penúltima) faixa do projeto, a Halsey mostra seu lado mais vulnerável pois aqui não é a Halsey com medo de morrer, é a Ashley com medo de deixar seu filho sozinho no mundo e não estar lá pra acolher ele quando necessário. O áudio de uma conversa entre ela e seu filho indica o quanto a maternidade foi e é extremamente importante pra ela e como todo o disco se fecha aqui: suas inseguranças, seu medo de morrer, suas reflexões sobre quem ela era e o que era a vida, tudo isso se fecha aqui e como ela tenta ser firme não por ela e sim pelo seu filho, que precisa dela mais do que tudo, isso enquanto durante a música inteira é repetido diversas vezes ao fundo "Por favor, Deus" ou "Por favor Deus ou o que quer que seja".
Pra quem dizia e ainda diz que Letter To God é a mesma música dividida em partes eu gostaria de contribuir nesse debate e dizer que: discordo. Inicialmente (no caso as versões 1974 e 1983) poderiam ter sido sim a mesma música mas acredito eu que a Halsey não viu mais sentido quando estava finalizando a versão de 83, parece muito mais uma história que se dividiu em três atos que se complementam, mas não são a mesma coisa:
- Letter To God (1974) é o passado, tanto que a música se mantém muito na infância dela e suas preces para ser amada;
- Letter To God (1983) é o presente, ela fala sobre o início da sua vida adulta e como tudo era muito denso e profundo, e no meio disso tudo ela faz suas preces para não ficar doente e que, se ficar, que morra logo;
- Letter To God (1998) é o futuro, é ela encontrando sua paz, sendo mãe, compartilhando seu medo mais profundo que é deixar seu filho órfão e tudo o que ela reza é por proteção e equilíbrio;
O álbum se fecha nessas questões de passado, presente e futuro até bem, tanto que se vocês pararem pra ver as letras, dá pra se ter uma ideia do que se passava na cabeça dela no meio do baque de tudo que aconteceu; sendo a versão de 74 ainda no início de tudo, a de 83 quando ela já estava mais estabilizada sobre o assunto do seu quadro de saúde e a de 98 o final da jornada, com ela já se cuidando e estando em paz com tudo. Letter to God (1998) >>pra mim<< é a melhor música que ela poderia escrever.

• The Great Impersonator: Décima oitava e última música do disco, a faixa-título foi deixada pro final propositalmente, pois aqui é desenhado o porquê do disco se chamar The Great Impersonator: novamente sobre o sentimento e a busca por pertencimento a algum lugar, aqui ela explica como ela se sente uma 'impostora' por tentar se adequar a lugares que não a cabem. Não é um encerramento ruim pois, comparada as outras diversas músicas do disco, aqui é um pouco mais light pra não pesar o clima já que o álbum é bem nebuloso as vezes.


Considerações Finais: Pro desespero da Pitchfork e do Anthony Fantano, The Great Impersonator não é um álbum na qual a Halsey está com 'síndrome do protagonista', e sim é um projeto no qual ela acreditou fielmente que seria seu último álbum e depois era literalmente caixão e velar o corpo dela. Chamar um trabalho de cunho extremamente pessoal e artista que o fez de 'infantil' ou dar a entender que ele é infantil é um tanto desonesto, pois mesmo se a gente desconsiderar completamente o contexto em que ele se aplica, pelo menos a proposta dele em si seria legal dar uma atenção devida e mais cautelosa por assim dizer, e nisso a música Dog Days se encaixa perfeitamente nessa situação, já que um careca e um jornal com histórico de misoginia fizeram um relativismo nojento pra uma mulher que acreditou que ia morrer dado seu quadro clínico; enquanto o BRAT (apenas pra fins de comparação, não é incitando rivalidade alguma) só falava sobre cheirar pó, se drogar e beber todas em festas, tanto o Fantano como a Pitchfork falaram que era um projeto profundo e coeso. O extremo oposto (no caso esse álbum que fiz a review agora) também é profundo e coeso se bem feito, que é o caso daqui.
Dito isso, agora sobre o álbum em si: não importa por qual perspectiva que você o olhe, ele definitivamente não é um projeto ruim nem um pouco, quando se falam "fulano transformou sua dor em arte" em alguns casos é bem literal, e foi o que aconteceu aqui. Halsey nos leva pela sua jornada de aceitação não só do caos que virou sua vida em três anos mas também nos leva pela sua jornada de descobrir qual é o seu lugar no mundo e se ela está de acordo disso.
Inegavelmente é um projeto extremamente fechadinho e com começo, meio e fim, o único problema presente no álbum é que AS VEZES ele ficava muito pesado em questão de carga emocional, mas não era pra menos, porém houve exageros. No mais, The Great Impersonator é top3 melhores discos do ano.


Nota: 8.8/10

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